Numa acepção popular, “calibre” pode ser entendido como o diâmetro de um objeto cilíndrico qualquer. Podemos pensar facilmente nas diferenças de calibre de uma mangueira de jardim ou de uma agulha cirúrgica, por exemplo.
Para a correta compreensão deste assunto devemos ter em mente a diferença entre calibre real e calibre nominal. Boa parte das confusões e informações erradas repassadas pela mídia, pela polícia e outros veículos, se deve à má compreensão destes conceitos.
Sempre que falamos de calibre real, estamos falando de uma grandeza física, facilmente mensurável com um paquímetro (instrumento de precisão para aferição de medidas). De uma forma fácil de entender, calibre real é o diâmetro do cano da arma. Se a medida deve ser tomada entre fundos ou cheios do raiamento, a doutrina especializada diverge, havendo posições nos dois sentidos. Felizmente, para fins deste post, este detalhe da matéria pode ser desprezado.
Enquanto o calibre real é uma medida, mensurável, quando falamos em calibre nominal estamos nos referindo a um padrão existente entre armas e munições. Por evidente, cada arma é feita para disparar determinado tipo de munição e cada cartucho é fabricado para ser utilizado num determinado tipo de arma. A este padrão, dá-se o nome de calibre nominal. Por exemplo, uma munição de calibre .380 ACP fabricada na Turquia pode perfeitamente ser usada numa pistola Taurus, de fabricação nacional. Do mesmo modo, uma munição de calibre .25 ACP da Companhia Brasileira de Cartuchos pode ser empregada em uma arma de origem italiana, sem qualquer problema. Isto só é possível porque os fabricantes de armas e munições seguem padrões internacionais, com parâmetros geralmente definidos pela SAAMI93 (Sports Arms and Ammunition Manufecturer´s Institute), fundada em 1926.
Este padrão é designado por um algarismo numérico, seguido de uma locução à escolha do fabricante. É essencial perceber que a parte numérica é sempre um indicativo do calibre real, isto é, do diâmetro do cano da arma. Vejamos um exemplo. Uma arma calibre .22 Long Rifle, qualquer que seja ela, tem um diâmetro de cano de aproximadamente 0,22” (ou 5,5 mm no sistema métrico). Uma pistola calibre 9 mm Parabellum tem aproximadamente 9 mm de diâmetro do cano. Um fuzil de calibre 7,62 x 51 mm tem diâmetro de cano aproximado de 7,62 mm (o numeral 51 é a medida da altura do estojo).
Para complicar este tema, há três diferentes sistemas de medida nos calibres nominais: o europeu, o inglês e o americano.
Na Europa Continental é empregado o sistema métrico, como no Brasil. Assim, os calibres de origem europeia geralmente são designados em milímetros, como o 5,56 x 45 mm, o 9mm Luger e o 10 mm Auto.
Os ingleses, por seu turno, preferem empregar milésimos de polegada como indicativo, com ponto seguido de três algarismos, que significa apenas que se tratam de frações de polegadas. Assim, podemos citar como exemplos o .375 Holland & Holland Magnum, o .300 Winchester Magnum e o .454 Casull.
De outra banda, se o sistema é imperial, é forçoso colocar o ponto e nunca seguido do indicativo de milímetros. Se houvesse de fato uma arma “380 mm”, seria ao menos um canhão naval, pois teria que ter diâmetro de cano aproximado de 38 cm! Registre-se que um dos maiores canhões de que se tem notícia foi o alemão Gustav, empregado no cerco nazista à cidade de Sebastopol, na ex-URSS, com calibre real de 800 mm.
Na sistemática americana, em que ainda se emprega o padrão imperial de medidas, os calibres nominais são expressos com centésimos de polegada, isto é, com apenas dois algarismos. Por exemplo: .40 S&W, .45 ACP e .38 SPL.
Para piorar a já confusa e pouco entendida sistemática de designação dos calibres nominais, a maioria das armas e munições podem ser denominadas de diferentes formas, a depender do país do fabricante. Tome-se como exemplo o .380 ACP, muito conhecido nacionalmente por ter sido durante décadas o maior calibre de pistola de uso dito permitido no Brasil. Nesta roupagem, a mais conhecida, percebe-se que o calibre segue o sistema inglês. Contudo, este mesmo calibre pode ser chamado, dentre outras denominações, de 9 mm Kurz (curto, em alemão), 9 mm Browning ou 9 x 17 mm (altura do estojo equivalente a 17 mm). Não se tratam de “primos” da mesma família, mas exatamente o mesmo calibre com nomes diferentes.
Ainda há calibres com diversas denominações, à escolha do fabricante. Por exemplo, o 9mm Parabellum, utilizado pela maioria das forças armadas do mundo, inclusive o Exército Brasileiro, bem como pela Polícia Federal. Uma arma ou munição neste calibre pode receber, além da nomenclatura normal de 9mm P, o 9 x 19 mm ou 9mm Luger.
As famílias de calibres nominais
Quando passamos a conhecer o mundo de armas de fogo e munições mais de perto, substituindo o conhecimento leigo por técnico, uma das primeiras conclusões é que os calibres fazem parte de famílias, não são unidades isoladas. Por isso é tão equivocado dizer que uma arma X possui calibre “.22” ou “.38”, pois não especificam de forma adequada a qual calibre nominal estamos nos referindo.
Numa analogia para fins didáticos, imagine uma família comum, com avós, pais e filhos. O que liga dois primos hipotéticos são os ancestrais comuns, neste caso, os avós. Neste exemplo, é evidente que dois primos não são irmãos, não são iguais, não tem as mesmas características, apenas fazem parte da mesma família pois possuem o ancestral comum.
No mundo das munições, a lógica é a mesma. Mas, aqui, ancestral comum é o calibre real! Vejamos os exemplos:
Família .22 (ou 5,5 mm): vai desde armas de ar comprimido (calibre 5,5 mm), até o calibre do fuzil de assalto empregado pelo Exército Americano hoje em dia, o Colt M4A1 (calibre 5,56 x 45 mm), passando por calibres permitidos e restritos, como o .22 Short, .22 LR, .22 Magnum, 5,5 Velodog, .22 Hornet, .22 Savage, .22 Remington Jet Magnum, .221 Remington Fireball entre outros.
Família .30 (ou 7, 62 mm): tem como membros o .30 Carbine (7,62 x 33mm), o .30 Borschardt, o .30 Luger, o .30 Mauser, o 7,62 x 35 mm (.300 Blackout), o 7, 62 x 39 mm, 7, 62 x 51 mm, 7,62 x 54R mm (utilizado nos famosos fuzis Dragunov e Mosin-Nagant, da era soviética) .30-06 (7,62 x 63 mm), o .300 Winchester Magnum (7, 62 x 67 mm), dentre outros.
Família .38 (9 mm): há inúmeros exemplos, como o .38 Long Colt,
.38 SPL, .357 Magnum, .38 SW, .38 WCF, .380 ACP, .38 Super Auto, 9mm
Parabellum, 9 mm Borschardt, 9 mm Bayard Long, 9 mm Ultra, 9 mm Mauser, 9 mm Winchester Magnum, 9mm Makarov, .357 Sig, 9 x 23 Winchester e .357 Maximum, dentre outros.
Agora o leitor pode ter a real percepção do absurdo de escrever algo como “Fulano de tal foi preso com uma carabina 22”, como diariamente vemos. Em primeiro lugar, falta o ponto antes do algarismo, pois se trata de décimo de polegada. Em segundo lugar, dizer “.22” não determina qual membro da família está sendo citado. Não há como saber sequer se o calibre é de uso permitido (p.ex: .22 LR) ou restrito (p.ex: .22 Savage)!
Desta forma, imagine o calibre da Pistola Desert Eagle, o .50 AE, e o calibre da metralhadora pesada Browning M2, o .50 BMG. O que eles têm em comum? O diâmetro de cano (calibre real). Temos a certeza de que se medirmos o cano da pistola e da metralhadora, o resultado será aproximadamente 0,50”, ou 12,7 mm. Agora, as semelhanças param por aí! Os calibres não são de forma nenhuma intercambiáveis e são completamente diferentes nos demais parâmetros. A título de comparação, o .50 AE gera cerca de 2.000 J na boca do cano, enquanto o .50 BMG gera em torno de 18.000 J! Essa diferença se deve à altura do estojo, de 32,6 mm no .50 AE e 99 mm no .50 BMG. Esta variação de tamanho permite que um cartucho de .50 BMG comporte muito mais propelente do que o .50 AE, levando ao incremento gigantesco da energia do projétil.
Uma vez superadas as confusões sobre as famílias de calibres das armas raiadas, no próximo post falaremos sobre o sistema de nomenclatura dos calibres de armas de alma lisa.
O texto é um resumo de um dos calibres do livro “Balística para profissionais do Direito”, em breve disponível!